Saltar para conteúdo principal

Bordados

artes
©Câmara Municipal de Barcelos

As artes do bordado referem-se genericamente a um vasto conjunto de técnicas e materiais, tendo como denominador comum a criação de motivos decorativos num tecido, utilizando um fio e uma agulha. A tipologia dos bordados está associada às técnicas de execução e aos materiais utilizados. Existem também denominações que distinguem os tipos de bordados tradicionais segundo o uso (decoração mural, arte, religiosa, vestuário, etc.) e segundo a origem (países que produziram). Assumindo aplicações que abrangem o utilitário, o decorativo e o simbólico, a vastidão do universo da arte do bordado, quer pela variedade das tipologias quer pela abrangência territorial, quer pela sua transversalidade social, constitui um património ímpar estreitamente ligado ao universo feminino e à sua evolução histórica.

A arte do bordado é milenar, respondendo de forma mais ou menos sofisticada, ao gosto pela ornamentação de tecidos, quer no vestuário quer para utilização doméstica e religiosa. Encontram-se referências à utilização de pontos, considerados como bordado, desde a pré-história, na costura e ornamentação do vestuário de pele. Nas civilizações da Antiguidade são comuns as referências ao bordado em vestuário e tecidos, associados ao fausto da nobreza e dos meios religiosos (SILVA: 1). A sucessiva presença de diferentes povos e culturas no território nacional, foi incorporando técnicas de bordado e materiais diversos, que integram hoje o repertório da arte do bordado.

Em Bordados e Rendas nos Bragais de Entre Douro e Minho, António Teixeira de Sousa refere-nos como fatores para o desenvolvimento do bordado nesta região «A paisagem e o clima, a abundância de casas senhoriais, e a forte presença da igreja que desde muito cedo se impôs nesta região e que era naturalmente grande consumidora de rendas e bordados destinados a manter o luxo das vestes eclesiásticas. Também a grande concentração de conventos femininos na região de Entre Douro e Minho teve grande influência na produção de rendas e bordados até porque a partir dos sécs. XVII e XVIII era nestes conventos que a maioria das filhas da nobreza ia receber educação que incluía a aprendizagem de lavores femininos». 

Estudando cronologicamente a evolução e transformação dos bordados artesanais, assiste-se a um alargamento da sua produção e dos seus usos ao longo do tempo. A partir do séc. XIX bordar passou a ser uma atividade preponderante no universo feminino, como ocupação de tempos livres e para complemento do rendimento familiar. A criação das Escolas Industriais em Guimarães, na Covilhã e em Portalegre, a par da introdução dos lavores femininos no currículo das escolas de raparigas, veio reforçar a aprendizagem que se fazia em família, contribuindo para a sistematização de motivos, aprimoramento das técnicas e diversificação regional da arte do bordado. Assistiu-se ao aumento das produções com cariz comercial e, durante a primeira metade do séc. XX, muito impulsionado pelas políticas culturais do Estado Novo, a arte do bordado passou a integrar o domínio do património cultural.

Tal como outras artes, o bordado foi amplamente influenciado pelo contacto com estéticas e práticas que chegavam a Portugal, de outros pontos do mundo, sobretudo com a abertura das rotas marítimas. Muitos dos motivos utilizados por bordadeiras reproduzem ou estilizam elementos decorativos de peças de cerâmica, de obras de talha dourada ou de pinturas e esculturas, acompanhando correntes estéticas em cada época.

Apesar da arte de bordar ser transversal a todo o país, houve polos de produção que se distinguiram pelo surgimento de unidades profissionais com carácter comercial, em geral de pequenas dimensões. Estes núcleos aumentaram a escala e a notoriedade de determinada tipologia de bordado e desenvolveram características próprias, nomeadamente os de Castelo Branco, Arraiolos, Nisa, Ilha de S. Miguel (Açores), Ilha da Madeira, Tibaldinho, Lixa, Guimarães e Viana do Castelo (MEDEIS: 94).

O bordado aplicado ao vestuário, aos paramentos ou acessórios tem, intrínseca à sua função de ornamentação, uma função social e simbólica, sendo associado a riqueza, estatuto social e poder económico. No entanto, tornou-se a forma mais acessível de decoração do vestuário e do lar, quer por ser uma produção doméstica adaptável a diferentes materiais, quer pela sua versatilidade criativa, que permite a representação do quotidiano, do imaginário, e a réplica de motivos ornamentais de objetos de aparato, como porcelanas, tapeçarias e joias. Assumiu mesmo, em alguns casos, um valor sentimental, como é o exemplo dos lenços dos namorados.

© Centro de Artesanato e Design dos Açores

Se no período medieval o bordado era uma arte restringida às casas senhoriais e aos conventos, no decurso da história veio a ganhar uma forte presença nas oficinas de manufactura e nas casas comuns. As raparigas ainda jovens começavam a preparar o seu enxoval, bordando lençóis, toalhas e vestuário íntimo, normalmente em linho. Paralelamente, a atividade de bordar  afirmou-se como um rendimento complementar para muitas mulheres, que trabalhavam em casa e por encomenda. Apesar da arte de bordar ser tendencialmente feminina, há registos que atestam a presença de homens na atividade, sobretudo em manufacturas profissionais desde o séc. XVI (SILVA: 14).

A facilidade de produção em termos de espaço de trabalho, materiais e ferramentas em muito terá contribuído para a continuidade da produção doméstica, a par do surgimento de unidades de produção profissionais. 

A prática da arte do bordado exige um suporte  sobre a qual se borda, que pode ser um tecido ou outro material maleável. Tradicionalmente  são utilizados o linho, o algodão, o tule, a pele e a estopa. Existem ainda os bordados sobre a empreita de palma e a esteira de junco.

Para bordar sobre o suporte é necessário o fio ou linha que pode ser de origem vegetal (linho ou palha), de origem animal (seda ou lã) e de metal (ouro ou prata). As linhas mais comuns são as de seda, linho, algodão ou lã e consistem num conjunto de fios torcidos em número variável, de diferentes qualidades e resistências. A qualidade da linha é avaliada pela resistência às múltiplas passagens pelo tecido e aos movimentos de tração, sem quebrar ou ganhar “pêlo”. O tipo de linha é escolhido em função do tipo de resultado pretendido e da técnica utilizada.

Como ferramenta, as bordadeiras utilizam agulhas de diferentes dimensões, mas também tesoura, dedal, fita métrica, furador, tábua e ferro de passar, alfinetes, malheiros e grampos, material de desenho e giz de costura. Em função do tecido e da técnica pode ser necessário um bastidor, para manter o tecido tensionado e facilitar a execução. Os bastidores, geralmente em madeira, têm várias dimensões e formas. Podem ser simples, com dois aros, também designados tambores, ou mais complexos, com apoios de chão ou de mesa. 

Existem múltiplas técnicas de bordado, que podem distinguir-se de acordo com os materiais utilizados ou o tipo de pontos executados. Calvet de Magalhães (MAGALHÃES, 1959), apresenta a seguinte classificação quanto à execução:

  • bordados de fios contados em que os pontos cobrem completamente o tecido;
  • bordados de fios contados em que os pontos não cobrem completamente o tecido;
  • bordados sem fios contados ou bordados livres;
  • bordados sem relevo ou lisos e bordados com relevo ou de realce; 
  • bordados sobre tecidos aos quais são retirados fios, como os casos dos pontos das bainhas abertas e dos ajour.

 

  

© Instituto do Vinho, do Bordado e do Artesanato da Madeira

Uma fase fundamental na produção de alguns bordados é a composição e marcação do desenho no tecido. Nas manufaturas de maior escala este processo é realizado por pessoas especializadas, caso contrário, é assumido pela própria bordadeira. Partindo de um desenho sobre papel, que muitas vezes representa motivos parciais de um padrão, a passagem para o tecido é realizada com papel vegetal e lápis, com papel químico ou com papel transfer.. Questões como a escala, o número de repetições dos motivos, a definição do centro ou a marcação dos frisos, exige grande rigor. A correta passagem do desenho para o tecido influencia de forma determinante a qualidade da obra final. 

O ponto é a base da técnica do bordado. É escolhido em função do resultado pretendido e, em muitos casos, define o nome da técnica. A maioria das várias tipologias de bordado combina vários pontos num mesmo trabalho. Alguns pontos foram “herdados” da costura, como o ponto atrás ou pesponto, o ponto de caseado, o ponto adiante,  ou o ponto luva (MEDEIROS, 1994). Os pontos surgem isoladamente ou num conjunto considerável de combinações entre eles. A sua utilização pode ser comum em várias regiões, residindo as especificidades regionais na forma como são combinados, nos motivos representados, nos materiais utilizados e nas cores aplicadas. Em alguns núcleos regionais são utilizados pontos específicos, que acabam por assumir o nome da localidade, como é o caso do ponto utilizado no Bordado de Castelo Branco (ponto frouxo) e do ponto do Bordado de Tapetes de Arraiolos. 

São temas de referência da arte do bordado os motivos vegetalistas e florais, mais ou menos estilizados, os corações, os pássaros e os motivos geométricos. Menos frequentemente surgem o figurado humano e os motivos da envolvente e do quotidiano.

A utilização da cor ou a exclusividade do branco é outra das características que em muitos casos, é uma marca distintiva. Podem identificar-se bordados exclusivamente a branco nos Bordados de Nisa (carmelos e alinhavados), Ilha da Madeira, Lixa, Felgueiras e Lousada, em Barcelos (crivo), Tibaldinho, e na Ilha Terceira, nos Açores. Com características monocromáticas temos ainda o bordado a azul da Ilha de São Miguel, nos Açores. Em Guimarães encontramos os motivos a vermelho, a azul ou a branco. Em Viana do Castelo, o branco, o azul e o vermelho surgem combinados num mesmo motivo. Entre os bordados de características policromáticas encontram-se os lenços dos namorados de Vila Verde que se caracterizam pela utilização profusa de cores primárias e o bordado de Castelo Branco, que tem uma paleta de cores muito própria. Também no caso do bordado de tapetes de Arraiolos a paleta de cores utilizada está bem caracterizada. À parte destas características bem demarcadas, a arte do bordado foi e será campo fértil para a criatividade e para a criação livre, que transvaza as tipificações.

© Câmara Municipal de Barcelos

De entre os produtos mais icónicos do bordado tradicional português podem destacar-se artefactos que caracterizam alguns dos principais centros de denominação reconhecida. O vestuário, em particular aquele reservado aos dias festivos, e a roupa de casa, de linho ou algodão, como toalhas de mesa, toalhas de mãos, colchas, lençóis, almofadas, cortinas e naperons, encontram-se entre os artefatos mais elaborados. Também os tapetes são amplamente executados a nível nacional, com a técnica e os materiais de Arraiolos. Outro exemplo são os paramentos religiosos, que foram, durante séculos, um mercado de enorme importância para as bordadeiras. Cabe referir ainda o bordado aplicado a acessórios como chapéus, carteiras, calçado, sombrinhas, leques, xailes ou lenços. Surgem aplicações em pequenos objetos decorativos como guarda-jóias, mas também em quadros e em bonecos.  

Na produção atual de bordados a nível nacional prevalece uma maioria de perfil doméstico, ainda que se tenham vindo a desenvolver centros profissionalizantes, dedicados à produção, ao ensino e à valorização e preservação de determinadas técnicas do bordado. Como noutras áreas artesanais, é notória a diminuição do interesse por esta arte, por parte das novas gerações. No entanto, existe um movimento crescente de designers de moda e de interiores a valorizar o bordado artesanal, em detrimento do bordado industrial. O reconhecimento da importância desta arte, nomeadamente através dos processos de classificação como património cultural e de certificações, desejavelmente resulta num maior interesse e no entendimento da sua mais valia económica e cultural. Fazem parte da lista de Inventário Nacional do Património Imaterial (DGPC) o Processo de Confeção do Tapete de Arraiolos, os Bordados de Glória do Ribatejo e a Confeção do Bordado de Tibaldinho. A nível local têm sido desenvolvidos processos de certificação, com o objetivo de defender a qualidade e identidade das técnicas respetivas. Entre estes incluem-se o Bordado de Viana do Castelo, o Bordado de Guimarães, o Bordado de Crivo de São Miguel da Carreira, o Bordado da Madeira, o Bordado de Tibaldinho, o Bordado de Castelo Branco e o Bordado da Ilha Terceira. Estas e outras ações de valorização têm produzido um impacto notável, quer no reconhecimento da arte quer no aumento da procura.

Bibliografia

  • BRANCO, Conceição; SIMÃO, Jorge (1997). Modos de Fazer. Guia do artesanato Algarvio. Faro: Região de Turismo do Algarve
  • PIRES, Ana et al. (2009). Fios, Formas e Memórias dos Tecidos, Rendas e Bordados. Lisboa: IEFP
  • LIMA, Rui de Abreu de; LIMA, Eglantine M. (1997). Artesanato tradicional português III: Algarve. Lisboa: Direção-Geral de Turismo/ Associação Industrial Portuguesa
  • MEDEIROS, Carlos Laranjo, coord. (1994). Bordados e Rendas nos Bragais entre Douro e Minho. Lisboa: Programa de Artes e Ofícios Tradicionais
  • MAGALHÃES, M. M. Calvet de (1959). Bordados e Rendas de Portugal. Colecção Educativa, série Nº10
  • SILVA, Paulo Fernando Teles de Lemos (2006). Bordados tradicionais portugueses. Dissertação de Mestrado em Design e Marketing. Braga: Universidade do Minho (disponível em https://repositorium.sdum.uminho.pt) 
© Centro de Artesanato e Design dos Açores
0

pontos de interesse

Bordado de Tibaldinho

Museu
Artesão
Oficina
Comércio

Bordado de Glória do Ribatejo

Museu
Artesão
Oficina
Comércio

Cidália Rodrigues

Museu
Artesão
Oficina
Comércio

Rua Principal, Nº 20, Tibaldinho

 3530-027 Mangualde

963 885 043

cidaliaflrodrigues@sapo.pt

Museu Nacional do Traje

Museu

Largo Júlio Castilho

1600-483 Lisboa

217 567 620

Bordado de São Miguel

Museu
Artesão
Oficina
Comércio

Bordado de Tapetes de Arraiolos

Museu
Artesão
Oficina
Comércio